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Maioridade Penal aos Dezesseis Anos de Idade:
Será uma solução social a violência?1
Adriana Ferreira Silva2
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Impulsionada pela mídia, muitas vezes tendenciosa, induzida pelo medo constante e pela certeza de que alterações na lei sejam a solução para todo caos e insegurança, a sociedade busca iniciativas que parecem configurar uma verdadeira inversão de valores.
O homem moderno vive em um estado de violência e medo, o qual vem substituindo a confiança, a crença, o saber, a liberdade, o amor, entre outros valores. O medo tanto une como separa pessoas. Talvez uma das faces mais deprimentes da realidade urbana contemporânea seja o isolamento voluntário com grades nas residências, nos condomínios, nos centros empresariais, nas escolas e etc3.
Atualmente está em voga a discussão sobre a maioridade penal brasileira, a qual hoje referencia os 18 anos. Diante deste panorama, os defensores do rebaixamento da maioridade penal para dezesseis anos de idade, acreditam que o livre acesso à informação, através dos meios de comunicação, torna-se um dos fatores para a conquista precoce da maturidade na atualidade, bem como o direito facultativo ao voto que poderia beneficiá-los em comparação com gerações passadas.
A intenção de reduzir a maioridade penal manifesta-se, talvez, como escudo protetor às práticas criminosas. Intelectuais possuem a convicção de que tal medida afastará a classe juvenil do crime, impondo um freio na conduta infracional, conseguindo enfim, aniquilar a violência e a insegurança dos dias atuais.
Os indivíduos são pouco capazes de lidar com os problemas que as confrontam, quanto mais suas vidas são ameaçadas, por riscos, tensões e conflitos incontroláveis, mais serão invadidas por temores, esperanças e desejos daí resultantes. A capacidade de suportar os perigos, conflitos e ameaças a que estão expostas, está atrelada a idéia que as pessoas tem de si como “indivíduo” e “sociedade”4.
Estamos diante de um instinto eterno de destruição que é inútil negar, portanto, é melhor admiti-lo e analisar como ele participa da estrutura social de forma conflituosa e paradoxal, tal como se apresenta na civilização contemporânea5.
O presente estudo buscou verificar a veracidade dos argumentos utilizados pela Proposta de Emenda à Constituição – PEC, que desde 1993 (a exemplo da PEC n° 171), busca a alteração da maioridade penal. Atualmente, devido ao grande número de Projetos formulados com o mesmo tema e objetivos, foi criado um compilado capaz de esclarecer e representar tantos projetos, a PEC n°345 de 20046.
Existem inúmeros e calorosos debates sobre o tema maioridade penal aos dezesseis anos de idade, porém, poucos verificam a real possibilidade de tal alteração legal. Para tanto, aplicou-se questionário em jovens de dezesseis anos de idade, estudantes e residentes em Porto Alegre-RS, além de um levantamento bibliográfico sobre o tema e assuntos envolvidos. Para esta amostra não foi considerado histórico escolar ou envolvimento em incidentes agressivos. Responsáveis pela escola, pais e adolescentes, assinaram o Termo de Consentimento Informado. O trabalho constitui-se num estudo transversal, de uma amostra por aglomerado da população de estudantes da capital gaúcha. Os dados foram trabalhados quantitativamente e qualitativamente.
Considerou-se nível de confiança de 95%, erro máximo de seis (6,0) pontos percentuais e uma estimativa de variabilidade de 0,25.
De acordo com o Censo 2000, existe cerca de 66482 jovens com dezesseis e dezessete anos de idade, estudando no ensino médio de escolas públicas e privadas de Porto Alegre7. Nossa amostra refere 294 jovens com dezesseis anos de idade, 194 indivíduos freqüentam escolas públicas (66%) e 100 alunos freqüentam escolas particulares (34%); dos diversos segmentos sociais. A capital gaúcha referencia índice de analfabetismo em 3,45% , o que demonstra que grande parte da população está na escola ou já passou por uma. Está entre os municípios do estado, que apresenta maior índice de Desenvolvimento Humano. È uma das cidades que possui maior Índice de Desenvolvimento Sócio-econômico (Idese) do estado, fazendo parte das 9 (nove) melhores cidades em condições de oferecer educação, saúde e renda8. O fato de a capital Porto Alegre oferecer melhores condições de vida para a população residente, permite-nos inferir que nossos jovens possuam melhores condições e qualidade de vida.
Os dois últimos séculos foram marcados por conquistas e avanços tecnológicos, os quais modificaram as relações até então estabelecidas entre as pessoas. Descobertas fundamentais são mantidas como verdade até os dias atuais. Consideradas como responsáveis por mudanças no comportamento do indivíduo. Tais evoluções influenciaram diretamente os costumes e a moral estabelecida nos grupos. Diante desta realidade, estudiosos consideram a moralidade como sendo a internalização de regras culturais, outros, enfatizam a importância dos aspectos genéticos na relação com o meio. Cabe neste momento, talvez, reconhecer que o ser humano como objeto de estudo, é um ser estruturado e invariavelmente influenciado por um olhar inegavelmente multidisciplinar.
Os meios de comunicação, principalmente a televisão, estimulam de forma sutil através de desenhos animados, filmes, clips; o uso da violência. As notícias que chegam através do rádio, jornais, tele-jornais e etc., tratam principalmente sobre violência humana, crueldade e injustiça: guerras, conflitos religiosos, fome, pobreza, roubo, ataques terroristas. Nossos jovens possuem acesso livre a essas informações, de forma quase unânime. Porém cabe o questionamento da qualidade desta informação recebida diariamente. É importante salientar que informação não pode ser confundida com transmissão de conhecimento9. Diante deste questionamento, 86,7% dos jovens relataram assistir noticiários e documentários na televisão. Demonstraram interesse e costume em ler
notícias em 71% dos casos, ou seja, 208 jovens com dezesseis anos de idade se interessam por estar informados. Por outro lado, significativamente, 29% da amostra não possuem costume de ler notícias em jornais ou revistas; o que parece realmente relevante e nos demonstra algumas alterações e tendências para o futuro da comunicação. Os jovens buscam informação, porém, o conhecimento que deseja parece não ser conquistado, revelando índices consideráveis de desinteresse destes jovens para com acontecimentos globais.
Percebe-se que jovens atuam como espectadores passivos. De acordo com pesquisas recentes, cerca de 31% dos adolescentes brasileiros não acompanham o que acontece no país ou no mundo através da leitura de jornais ou noticiários de rádio ou televisão, enquanto 56% afirmam sua neutralidade em relação a política e demais acontecimentos10.
Durante os últimos anos, um meio de comunicação acabou substituindo o outro, primeiro os livros cômicos, depois o surgimento do rádio, cinema e atualmente a televisão, computador e internet etc. Nossos jovens, hoje, pouco brincam nas ruas, ou andam de bicicleta nos bairros. Essa mudança nos mostra um contexto: as pessoas jovens passam mais tempo assistindo à televisão do que fazendo qualquer outra atividade de lazer. A criança norte-americana, por exemplo, assiste aproximadamente 23 horas de televisão por semana, o adolescente médio assiste aproximadamente 22 horas por semana11. No caso dos
portoalegrenses, cerca de 96,9% dos adolescentes costumam assistir televisão, por tanto, é possível afirmar que assistir televisão faz parte do cotidiano de jovens da amostra.
A televisão é uma mídia poderosa, e as pessoas jovens são singularmente suscetíveis a ela. Muitos estudiosos têm demonstrado a capacidade da televisão em transmitir informações e moldar atitudes sociais. A televisão pode influenciar as percepções dos espectadores sobre o que constitui “o mundo real”, sobre como o comportamento social ocorre, além de ajudar a moldar e influenciar crenças e normas sociais12.
As novas tecnologias se beneficiam em todas as direções. Paradoxalmente ninguém questiona se elas significam um progresso a tal ponto que justifique o clamor incessante a modernização. Para muitos a quantidade de computadores conectados à internet, mostra o índice mais precioso sobre o grau de desenvolvimento de um país. Observa-se que 95% dos indivíduos estudados acessam ou navegam na Internet, e somente 14 alunos não possuem acesso a Internet.
A internet simboliza a liberdade e a capacidade de dominar o tempo e o espaço com autonomia, domínio e velocidade. Cada um pode agir sem intermediários, quando bem quiser, sem filtro nem hierarquia e, ainda mais em tempo real. Realmente existe algo de atrativo para as novas tecnologias da comunicação e provavelmente está vinculada a dimensão psicológica. O acesso a “toda e qualquer informação” não substitui a competência prévia, para saber qual informação procurar e que uso fazer desta. O acesso direto à internet não suprime a hierarquia do saber e do conhecimento13.
Buscou-se observar a relação entre os indivíduos que lêem notícias em jornais e revistas e os que navegam na Internet. Através da amostra pode-se observar que 198 indivíduos acessam a Internet e também costumam ler jornais e revistas. Por outro lado, 81 alunos que acessam a Internet, não lêem notícias em jornais e revistas. O que nos revela que jovens buscam a internet para obter informações e não utilizam com freqüência jornais e revistas. Outro aspecto interessante é que somente 4 indivíduos da amostra não acessam a Internet e não lêem jornais e revistas.
O avanço tecnológico trouxe ferramentas como o computador, que propicia agilidade na relação com o mundo. O computador e a internet, após a televisão e o rádio, relançam um imaginário, uma procura de estilos e de espaços de criação de cultura, onde é difícil escapar e não sentir a necessidade de uso14. Nossos entrevistados referem ter contato e saber utilizar computadores em sua maioria (95%), estabelecendo relação direta com o autor citado. As descobertas científicas e tecnológicas, como exemplo o computador, buscam facilitar o cotidiano e propiciar velocidade.
Observa-se que quem defende a tese da maioridade penal aos 16 anos de idade, está se apoiando em um direito facultado ao jovem, o direito ao voto. Não entendem os que acompanham tal opinião o porquê de não ser este jovem, com dezesseis anos de idade,
responsável para responder criminalmente. De acordo os números concedidos pelo Tribunal Regional Eleitoral – TRE, informações atuais das eleições de 2004, somente 13.111 eleitores tinham menos de 18 anos de idade dentre os votantes, ou seja, os jovens não buscaram fazer o Título de Eleitor para votar. De acordo com nossa amostra 85,6% julgam importante votar nas eleições, porém somente 25,5% destes possuem título de eleitor e exercem este direito. Podemos pensar que a maioria ainda não está amadurecido e talvez possua outros interesses. O jovem adolescente se caracteriza por uma situação de transição, nem criança, nem completamente adulto. É o momento subjetivo de passagem entre a lógica infantil e a adulta, momento de (re)construção e busca do seu próprio tempo e espaço15.
Pode-se inferir que nossa população adolescente é composta de cidadãos pouco politizados, onde a maioria dos jovens com esta idade não faz uso deste direito; porque não sabe, ou porque não é relevante em dado momento de sua vida. A baixa participação, o ceticismo e o desinteresse político da população juvenil, revela um desencanto diante das incertezas políticas e econômicas que caracterizam a realidade brasileira; em verdade nossos jovens encontram-se pouco preparados para tal responsabilidade16.
Vivemos um uma sociedade que reconhece o indivíduo jovem como cidadão somente quando este se torna independente economicamente, e por tanto responsável e maduro; como exigir dos jovens com dezesseis anos de idade, maturidade se a própria família e sociedade estimula a dependência17. A questão de fixação de idade determinada para o exercício de certos atos da cidadania decorre de uma decisão política e não guarda relações entre si, de forma que a capacidade eleitoral do jovem aos dezesseis anos – facultativa - resulta de interesses políticos. Nossa Legislação, a exemplo das legislações de diversos países, fixa em 18 anos de idade a maioridade civil. Antes disto, por exemplo, não há casamento sem autorização dos pais; o que chega a ser questionável não poder casar sem autorização dos pais e em compensação poder ser preso.
A propósito, a legislação brasileira fixa diversos parâmetros etários, não existindo uma única idade em que se atingiria, no mesmo momento, a maioridade absoluta e plena. Um adolescente pode trabalhar a partir de 14 anos18, já o plano eleitoral estabelece 16 anos para votar, para concorrer a Vereador deve ter a idade mínima de 18 anos; 21 anos para Deputado, Prefeito ou Juiz de Paz; 30 anos para Governador, e 35 anos para Presidente, Senador ou Ministro do STF ou STJ. Não há critério subjetivo de capacitação e sim decisão política. Como o adolescente não participa na formulação das leis que deve respeitar, ele necessita confirmar que os adultos e o Estado respeitem seus direitos e cumpram suas obrigações19.
Talvez o papel da sociedade neste processo educacional seja criar espaços capazes de suprir falhas e propiciar esclarecimentos. No momento que foram questionados sobre o
seu conhecimento do Código Penal Brasileiro, revelaram que 15,3% já teriam folhado, mesmo que rapidamente, as leis que existem. Os demais 84,4% nunca tiveram contato com o Código Penal Brasileiro, tão pouco interesse pelo mesmo.
A lei n° 8.069/90, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA - baseou-se nas “Regras de Beijing”, normas aprovadas pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de Dezembro de 1985, as quais reconhecem a necessidade de atenção e assistência especial aos jovens com vistas ao seu desenvolvimento, por se encontrarem numa etapa inicial da vida. O ECA constitui um avanço jurídico no país e que, para ter êxito deve encontrar respaldo na sociedade e nas políticas públicas. Abandonou-se o mero objetivo punitivo para conduzir a ressocialização do indivíduo.
É preciso derrubar esse mito. Inimputabilidade não é impunidade. O adolescente entre doze e dezesseis anos é imputável perante a legislação própria, tendo responsabilidade estatutária juvenil, inobstante sua responsabilização difira da dos adultos, portanto de cunho eminentemente pedagógico20. |
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A inimputabilidade constitui-se numa conquista histórica, que precisa ser preservada; e, o jurista, como técnico do direito, deve fazer com que o direito penal seja um instrumento garantidor de estabilidade social.
Ainda entre os argumentos daqueles que pretendem reduzir a maioridade penal, está a assertiva de que a maioria dos delitos é praticada por jovens entre 16 e 18 anos, na realidade sabe-se que os mesmos servem de “laranjas” de delinqüentes adultos21. Muitas vezes junto ao adolescente esta a figura do adulto, instigando e ensinando “estas” atitudes.
Curioso é o argumento de que, cada vez mais os adultos se servem de adolescentes para a prática de crimes, e que por isso faz-se necessária à redução da idade de imputabilidade penal. Na verdade o argumento do rebaixamento é falacioso. O ECA oferece amplos mecanismos de responsabilização destes adolescentes infratores, e, o que se tem constatado, em não raras oportunidades, é que, enquanto o co-autor adolescente foi privado de liberdade, julgado e sentenciado, estando em cumprimento de medida sócio-educativa, seu parceiro imputável muitas vezes sequer teve seu processo em juízo concluído, estando freqüentemente em liberdade.
Dos 294 indivíduos que compõe a amostra, 52 alunos de escolas públicas e 31 de escolas particulares acreditam que, se um indivíduo com a idade de dezesseis anos, seja acusado de um crime, ele terá a punição de ficar junto com detentos mais velhos. Por outro lado, aproximadamente 72% da amostra acredita que terão tratamento diferenciado dos detentos mais velhos, onde 142 são de escolas públicas e 69 de escolas particulares; inferindo-se por tanto, que alunos de escolas públicas talvez sejam mais esclarecidos, neste sentido, que os de ensino particular. A existência de atos violentos na história da humanidade não é novidade, e nos remete a questões instintivas da natureza humana. Noção de atos infracionais são estabelecidos no contato social e sendo assim, estruturada de acordo com as relações no grupo de iguais. Os jovens da amostra referem que indivíduos com dezesseis anos de idade compreendem a gravidade do que é ato infracional (91,5%), sabem o que é aceito ou não moralmente na sociedade.
Evidentemente o jovem pode reconhecer o bem do mal de suas atitudes. Porém não percebe muitas vezes, a intensidade da repercussão do fato, na forma que vai repercutir na estabilidade da comunidade organizada.
A sociedade busca uma solução mágica e rápida para a violência, fingindo esquecer que esse problema tem outras raízes, de caráter eminentemente social, encontradas na desestruturação familiar, na miséria, na concentração de renda, no desemprego, no subemprego e na ausência de escolaridade. Além da dificuldade encontrada na qualidade escolar, os pais como educadores enfrentam uma crise: não sabem qual postura assumir diante dos filhos para melhor educá-los. Educa-se crianças sem noção de limites; onde tudo é possível de ser realizado; acarretando problemas futuros. Estamos criando indivíduos cada vez mais preocupados com suas conquistas, poder e satisfação pessoal, esquecem que a mudança inicia pela responsabilização e comprometimento de cada um dos cidadãos.
A comunidade se sente acuada pela criminalidade, acredita que a impunidade está em sua base e inclina-se para uma solução que lhe parece neste momento a mais adequada. É fruto da síndrome do medo, de uma sociedade vitimizada por uma violência onipresente, assim como no sensacionalismo de alguns órgãos da imprensa, que exploram a exaustão, a criminalidade infanto-juvenil. Nessa complexa equação entre economia, política e direitos é que deve ser pensada a luta contra violência, o desarmamento e a pacificação da sociedade22.
Alegam os defensores do rebaixamento da maioridade penal que os meios de comunicação fazem muito mais que informar, parecem conduzir e ditar condutas. Sabe-se que o que é observado pode ser imitado, ou simplesmente, influenciar as crenças de uma criança sobre o mundo. A estímulo visual e auditivo diário pode ser um fator crucial para as decisões dos adolescentes sobre quando e como começar o consumo de álcool, por exemplo. Astros dos esportes e da música freqüentemente aparecem em anúncios de cerveja e vinho, e as mensagens implícitas são claras: “Homens de verdade” bebem; quem bebe diverte-se mais, tem mais amigos e são mais sexy; além disso, o consumo de álcool é a norma, ao invés de ser uma exceção23.
Quando questionamos os alunos sobre a possibilidade de aos dezesseis anos de idade ter o direito legal de comprar bebidas alcoólicas, 62,1% responderam que não podem e os demais 37,9% acreditam no direito legal de comprar bebidas alcoólicas. Comparando os resultados dos alunos de escolas públicas e particulares, verificamos que 51% dos alunos de escolas particulares acreditam ser legal, com 16 anos de idade, comprar bebidas alcoólicas. Este percentual diminui para 31,1% entre os alunos de escolas públicas. Sendo assim percebe-se que existe uma associação entre o tipo de escola e o esclarecimento sobre poder comprar bebidas alcoólicas.. Verifica-se também que uma boa parte da amostra não percebe restrições para o consumo de álcool.
Em relação à proibição da venda de bebida alcoólica ou de cigarros para jovens com idade inferior a 18 anos, uma pesquisa da UNESCO24 revela que o álcool é a droga mais comum entre os adolescentes brasileiro, usado entre mais da metade deles, começando o consumo, em média, aos 13 anos e 4 meses. Esta comercialização aumenta a vulnerabilidade e a situação de risco dos jovens.
Na percepção dos alunos entrevistados, 151 estudantes de escolas públicas e 76 de escola particular, acreditam que as autoridades estabelecem uma punição levando em consideração a idade do infrator no dia do crime, ou seja, 78% da amostra possuem clareza sobre as regras de convívio. Quando questionados sobre o direito à defesa com dezesseis anos de idade, 93,8% afirmam que sim, onde 14 estudantes de escolas públicas e 4 de escolas particulares afirmam que não possuem direito á defesa.
Percebe-se significativo o número de alunos que acreditam receber punição igual aos detentos mais velhos e por tanto ser punido a ficar no mesmo presídio que os maiores de idade (28,2%), e 71,8% já demonstraram maior esclarecimento, sabendo que indivíduos com dezesseis anos de idade são regulamentados por normas diferentes dos maiores de dezoito anos de idade.
A circunstância de o adolescente não responder por seus atos delituosos perante a Corte não o faz irresponsável. Ao contrário do que se pensa, o sistema legal implantado pelo Estatuto – ECA- faz estes jovens, entre 12 e 18 anos, sujeitos de direitos e de responsabilidades e, em caso de infração, prevê medidas sócio-educativas, inclusive com privação de liberdade.
Como se sabe, as medidas sócio-educativas vão desde a advertência, passando pela obrigação de reparar o dano, prestação de serviços a comunidade ou inserção no regime de liberdade assistida, até as restritivas de liberdade (semi-liberdade e internação)25.
A diferença aparece no trabalho efetuado nos estabelecimentos em que se cumpre tal medida, os quais a princípio deveriam possuir profissionais tecnicamente preparados para a reeducação do jovem infrator. A medida sócio educativa difere da pena criminal, pois enquanto a medida sócio-educativa possui caráter preventista, de cunho pedagógico e ressocializador, a pena criminal é eminentemente retributiva e punitiva26.
Diante de características e comportamentos ditos violentos, existe diferença entre a personalidade em formação e a já estruturada; por tanto, a penalidade segue critérios. Jovens infratores apresentam padrões repetitivos e persistentes de comportamento agressivo, violam direitos básicos dos outros ou normas sociais importantes como agressão a pessoas e animais, destruição de propriedade, defraudação ou furto, sérias violações com início antes dos 13 anos; estabelecendo características de Transtorno de Conduta (312.8). Já os comportamentos mais estruturados referem padrões de desrespeito e violação dos direitos dos outros, que ocorre desde os 18 anos de idade, com algum histórico evolutivo de comportamento antes dos dezoito anos de idade. Tendência a enganar, impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro, irritabilidade e agressividade com repetidos casos de luta e agressões físicas, desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia e ausência de remorso; configurando Transtorno de Personalidade Anti-Social27 (301.7).
Antes de se discutir a redução da idade penal, é preciso cumprir o que determina o artigo 4.º do ECA, que é uma redução do artigo 227 da Constituição Federal, o qual dispõe que é dever de todos – Família, sociedade e Poder Publico -, assegurar os direitos fundamentais das crianças e adolescentes, com absoluta propriedade.
A criança desenvolve e forma seu psique baseando-se na educação de seus pais, antepassados e contato com o meio. A escola também possui seu papel de auxiliar o processo de formação da consciência e personalidade. O aprendizado informa, forma e desenvolve funções psicológicas capazes de tornar o contato com o meio saudável28.
Os menores de dezoito anos que realizarem ato ilícito ou não, possuem este direito fundamental (que se traduz também em garantia decorrente do princípio constitucional da proteção especial) de estar sujeito às normas do ECA (recebendo, se for o caso e como resposta a sua conduta ilícita as medidas sócio-educativas), afastados portanto, das sanções do Direito Penal.
Talvez, a solução possa estar no efetivo cumprimento do estabelecido pelo ECA e jamais na redução da maioridade penal.
A inimputabilidade penal é uma conquista histórica. O direito romano, embora não tenha deixado obras doutrinárias específicas, já a reconhecia. Existia uma certa atenuação da pena aplicada ao delinqüente, impúbere em relação ao adulto que cometesse a mesma conduta tida como crime.
A pessoa com idade inferior a 18 anos, de acordo com a literatura estudada, ainda não possui sua personalidade formada por completo, sendo assim, porque então tratá-la como adulto? É importante que a capacidade emocional, o desenvolvimento cognitivo e afetivo sejam considerados.
A pena tem três finalidades: ela é intimidativa, porque a prisão de um criminoso dissuade o outro ou deveria impedi-lo; é recuperativa, pois reeduca aquele que errou; e a terceira finalidade está no castigo, na retribuição, no pagamento do mal com o mal. Mas é hora de perguntar, em sã consciência: a pena de prisão está cumprindo suas três finalidades? A resposta só pode ser uma: as três razões da pena reduziram-se a uma – o castigo. Ninguém, em boa fé, afirmaria que os presos estão sendo recuperados. A prisão é atualmente uma universidade às avessas onde se diploma a profissional do crime, ou seja, a cadeia não regenera, ela corrompe e deforma29.
Se o modelo punitivo tem-se demonstrado inócuo no plano dos adultos, não menos seria se aplicado a quem, por sua idade, por sua personalidade em formação, é muito mais vulnerável às influências deletérias.
Quando se questiona a maioridade penal, talvez se esteja buscando desviar a atenção da opinião pública de causas reais da violência. Devemos saber que violência não se combate somente com a lei, mas com políticas públicas que garantem oportunidade às crianças e adolescentes de todas as classes sociais. Ao estipular a maioridade penal brasileira nos dezesseis anos de idade, corre-se o risco de estimular à violência e não conquistar uma solução social à violência.
A evolução tecnológica, através dos veículos de comunicação, faz com que jovens aos dezesseis anos de idade possuam livre acesso à informação e conseqüentemente maiores esclarecimentos; porém, o uso desta informação parece não transmiti-los a maturidade esperada e ideal para assumir maioridade penal.
Foi possível constatar que jovens com dezesseis anos de idade julgam importante votar nas eleições, porém tal importância não os motiva a adquirir Título de Eleitor e participar das eleições, ou seja, o direito que lhes foi facultado mostra-se pouco valorizado.
A situação de violência em que vivemos, denuncia uma tendência para a autodestruição, quer pela ação direta das forças destrutivas presentes no homem, quer pela omissão que leva amplos setores da sociedade a serem espectadores passivos deste “espetáculo”. Romper com esse destino significa estabelecer uma nova ética de cidadania, onde os valores da vida prevalecem. A escola representa o processo de socialização, iniciado na família. Nesse sentido, os valores, expectativas e práticas que envolvem o processo educativo podem dar início ao processo de mudança e (re) descoberta do convívio saudável.
Baseado na pesquisa bibliográfica e nos resultados da pesquisa de campo com jovens de dezesseis anos de idade, percebe-se através da presente amostra, que estes podem não estar aptos para tornarem-se imputáveis e responder criminalmente por atos referentes no código penal brasileiro, especialmente se para tanto, forem considerados os fatores descritos no Projeto de Lei.
Este debate não finaliza aqui, muito ainda se tem a desenvolver. Este estudo possui a singela função de junto a outros estudos desenvolvidos no Brasil, elucidar e trazer informações sobre esta parcela da população em constante crescimento demográfico e ainda não totalmente compreendida. Estudos de diferentes regiões, como as anteriormente mencionadas, referem índices bastante semelhantes com os obtidos nesta pesquisa, porém, devemos ter clareza de que ainda não há uma única opinião sobre os mesmos; e que temos muito a estudar sobre o aspecto cognitivo de adolescentes.
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Referências:
1Artigo baseado na Dissertação de Mestrado do Programa de Mestrado em Ciências
Criminais “Maioridade Penal aos dezesseis anos de idade: um estudo baseado no
Projeto de Lei 345/2004”, orientado pelo Professor Dr. Gabriel Chittó Gauer.
2 Psicóloga, autora deste estudo e Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS.
3 GAUER, Gabriel J. Chittó e GAUER, Ruth M. Chittó . A
fenomenologia da violência . Curitiba: Juruá , 1999. p.23
4ELIAS, Norbert . A sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1994. p.72
5GAUER, Gabriel J. Chittó e GAUER, Ruth M. Chittó . A
fenomenologia da violência . Curitiba: Juruá , 1999. p.20
6 BRASIL. Projeto de Lei n° 171/93. Disponível em:
http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=14493.
Acesso em: 12 mar. 2004.
7 Informações obtidas do IBGE.
8 Dados obtidos com a Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul-
9 WOLTON, Dominique. Internet, e depois? Uma teoria crítica das novas
mídias. Porto Alegre: Sulina, 2003.
10 ZAGURY, Tânia. Adolescente e política: o adolescente por ele
mesmo. Rio de Janeiro: Record, 1999.
11 NIELSEN MEDIA RESEARCH, 1993 apud STRASBURGER, Victor C. Os adolescentes e a
mídia: impacto psicológico. Porto Alegre: Artmed, 1999.
12STRASBURGER,
Victor C. Os adolescentes e a mídia: impacto psicológico. Porto Alegre:
Artmed, 1999.
13 WOLTON, 2003.
14 Ibid, p. 87.
15 COSTA, Ana; BACKES, Carmem; RILHO, Valeria. Adolescência e
experiências de borda. Porto Alegre: UFRGS, 2004.
16 BAQUERO, 2004.
17 OLIVEIRA, Carmem Silveira de. Sobrevivendo no inferno: a
violência juvenil na contemporaneidade. Porto Alegre: Sulina, 2001.
18 Conforme a redação determinada pela Emenda Constitucional nº 20/98 do art.7°,
XXXIII, da Constituição Federal, a partir desta idade, o jovem pode trabalhar
na condição de aprendiz, sendo a idade mínima para o trabalho fixada em 16
anos.
19 OLIVEIRA, 2001, p. 97.
20 LEAL, César Barros; PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Idade da responsabilidade penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.
72.
21 JORNAL Folha de São Paulo. São Paulo: 18 dez. 2000. Disponível em: <http://www.estadao.com.br>.
Acesso em: 05 dez. 2002.
22BUORO, Andréa et al. Violência urbana: dilemas e
conflitos. São Paulo: Atual, 1999. p. 12.
23 STRASBURGER, 1999.
24 RUA, Maria das Graças; ABRAMOVAY, Miriam.Avaliação das ações de prevenção às
DST/AIDS e uso indevido de drogas nas escolas de ensino fundamental e
médio em capitais brasileiras. Brasília: UNESCO, 2001.
25 O autor da Tese na qual extraiu-se o citado trecho, assim define a medida de
liberdade assistida: é a medida que “apresenta as melhores condições de êxito
quando direcionada a interferir positivamente na realidade familiar e social do
adolescente, tencionando resgatar, mediante apoio técnico, as suas
potencialidade”- SOTTO MAIOR, Olympio de Sá. Sim à garantia para a infância
e juventude do exercício dos direitos elementares da pessoa humana. Não à
diminuição da imputabilidade penal São Paulo: Ministério Público, 2000.
(Caderno de Teses ; n. 39).
26 ATAIDE JR., Vicente de Paula. Contribuição para o conceito de ato
infracional. São Paulo: Ministério Público, 2000. (Caderno de Teses ; n.
30).
27 AMERICAN PSIQUIATRIC ASSOCIATION. Critérios diagnósticos DSM-IV.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
28 JUNG, Carl Gustav . O desenvolvimento da Personalidade .
Petrópolis: Vozes, 1986. p.56
29 LEAL; PIEDADE JÚNIOR, 2003.
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